quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Ética na pesquisa com animais

Historicamente, atividades didáticas e de pesquisa utilizando animais são realizadas desde a Antigüidade. Inicialmente, muitas destas práticas eram executadas por pessoas interessadas em aprofundar o seu conhecimento sobre um determinado assunto, porém, sem a exigência da aplicação de um método sistematizado de investigação. Com o passar do tempo esta sistematização incorporou-se às práticas didático-científicas, sendo realizadas por pessoas capacitadas para tal fim e tornando-se cada vez mais complexas. Conseqüentemente, o nível de exigência em relação aos cuidados éticos necessários para a condução adequada destas atividades também aumentou.
A primeira pesquisa científica que utilizou animais sistematicamente, talvez tenha sido a realizada por William Harvey, publicada em 1638, sob o título "Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus". Neste livro o autor apresentou os resultados obtidos em estudos experimentais sobre a fisiologia da circulação sangüínea realizados em mais de 80 diferentes espécies animais.
A partir das idéias do filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832), que afirmava “o problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; o verdadeiro problema é este: podem eles sofrer?” apareceram as primeiras ações com relação à proteção aos animais. Em 1822, é instituída a Lei Inglesa Anticrueldade (British Anticruelty Act).
A primeira lei a proteger estes animais, talvez, tenha sido uma que existiu na Colônia da Baía de Massachussets, em 1641. Esta lei propunha que: “ninguém pode exercer tirania ou crueldade para com qualquer criatura animal que habitualmente é utilizada para auxiliar nas tarefas do homem.” O uso intensivo de animais em pesquisas científicas e para fins didáticos foi crescente a partir dos anos 1800. Nesta mesma época surgiram as primeiras sociedades protetoras dos animais. A primeira foi criada na Inglaterra, em 1824 e em1845 foi criada na França a Sociedade para a Proteção dos Animais. Em anos
posteriores foram fundadas sociedades similares na Alemanha, Bélgica, Áustria, Holanda e Estados Unidos.
Em 27 de janeiro de 1978 em reunião realizada em Bruxelas, A UNESCO estabeleceu a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Neste documento estão lançados os grandes temas de discussão sobre este assunto, sendo que o 8ºartigo versa sobre o uso de animais em experimentação.
Em maio de 1979 foi publicada no Brasil a Lei Nº 6.638 (11), que estabeleceu as Normas para a Prática Didático-científica da Vivissecção de Animais. Esta lei, que nunca foi regulamentada, estabelece alguns critérios para a realização de atividades didático-científicas com o uso de animais. De acordo com estas normas, a vivissecção não será permitida sem o emprego de anestesia, em centros de pesquisa e estudos não registrados em órgão competente, sem supervisão de técnico especializado, com animais que não tenham permanecido mais de 15 dias em biotérios legalmente autorizados, em estabelecimento de ensino de 1º e 2º graus e em quaisquer locais freqüentados por menores de idade.
A pesquisa em animais deve ter como diretrizes mínimas:

  • a definição de objetivos legítimos;
  • a imposição de limites à dor e ao sofrimento;
  • a fiscalização de instalações e procedimentos;
  • a garantia de tratamento humanitário, e
  • a responsabilização pública.

Em 1959, Russel e Burch estabeleceram os três Rs da experimentação animal: replace, reduce e refine . A substituição dos animais (replace) por outros métodos alternativos, tais como: testes in vitro, modelos matemáticos, simulações por computador, deve ser estimulada. O estabelecimento de alternativas de modelos não-animais para experimentação e utilização em testes clínicos deve atender a duas importantes exigências :

  1. o risco de um teste não-animal, se utilizado como rotina, deve ser igual ou inferior ao gerado pelo teste em animais, já em uso corrente, principalmente no que se refere a taxa de resultados falsos negativos;
  2. o novo procedimento deve aumentar a eficiência do teste atualmente utilizado.


As justificativas empregadas por vários autores para a redução de pesquisas científicas em animais (reduce) envolvem questões éticas e morais; de compaixão; de conservação ambiental; de natureza científica, econômica, política e até mesmo as requeridas por lei . A redução do número de animais utilizados, acompanhada pelo aumento da qualidade do tratamento estatístico dado para pequenas amostras, pode ser uma importante alternativa. As Normas de Pesquisa em Saúde (Resolução CNS 01/88), que vigoraram no Brasil de 1988 até outubro de 1996, estavam plenamente de acordo com esta proposta. Estas Normas propunham que deveriam ser utilizados um mínimo de animais com um máximo de informações. Nas novas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução CNS196/96) esta colocação não foi mantida e a questão dos animais foi omitida, exceto quanto a sua necessidade prévia a realização de testes em seres humanos.
O refinamento das técnicas utilizadas (refine) tem por objetivo minimizar a dor e o sofrimento nos experimentos em animais. Estes procedimentos incluem cuidados de analgesia e assepsia nos períodos pré, trans e pós-operatório. Podemos incluir também neste item as questões metodológicas e estatísticas que permitem analisar dados obtidos em amostras progressivamente menores.
Finalizando, a pesquisa em animais deve ser realizada utilizando-se alguns critérios normativos mínimos, como:
· definir objetivos legítimos para a pesquisa em animais;
· impor limites a dor e sofrimento;
· garantir tratamento humanitário;
· avaliar previamente os projetos por um Comitê independente;
· fiscalizar instalações e procedimentos, e
· garantir a responsabilização pública .

Princípios Éticos na Experimentação Animal


A evolução contínua das áreas de conhecimento humano, com especial ênfase àquelas de biologia, medicinas humana e veterinária, e a obtenção de recursos de origem animal para atender necessidades humanas básicas, como nutrição, trabalho e vestuário, repercutem no desenvolvimento de ações de experimentação animal, razão pela qual se preconizam posturas éticas concernentes aos diferentes momentos de desenvolvimento de estudos com animais de experimentação.
Postula-se:


Artigo I- É primordial manter posturas de respeito ao animal, como ser vivo e pela contribuição científica que ele proporciona.

Artigo II- Ter consciência de que a sensibilidade do animal é similar à humana no que se refere a dor, memória, angústia, instinto de sobrevivência, apenas lhe sendo impostas limitações para se salvaguardar das manobras experimentais e da dor que possam causar.

Artigo III- É de responsabilidade moral do experimentador a escolha de métodos e ações de experimentação animal.

Artigo IV- É relevante considerar a importância dos estudos realizados através de experimentação animal quanto a sua contribuição para a saúde humana em animal, o desenvolvimento do conhecimento e o bem da sociedade.

Artigo V- Utilizar apenas animais em bom estado de saúde.

Artigo VI- Considerar a possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações computadorizadas, sistemas biológicos "in vitro", utilizando-se o menor número possível de espécimes animais, se caracterizada como única alternativa plausível.

Artigo VII- Utilizar animais através de métodos que previnam desconforto, angústia e dor, considerando que determinariam os mesmos quadros em seres humanos, salvo se demonstrados, cientificamente, resultados contrários.

Artigo VIII- Desenvolver procedimentos com animais, assegurando-lhes sedação, analgesia ou anestesia quando se configurar o desencadeamento de dor ou angústia, rejeitando, sob qualquer argumento ou justificativa, o uso de agentes químicos e/ou físicos paralizantes e não anestésicos.

Artigo IX- Se os procedimentos experimentais determinarem dor ou angústia nos animais, após o uso da pesquisa desenvolvida, aplicar método indolor para sacrifício imediato.

Artigo X- Dispor de alojamentos que propiciem condições adequadas de saúde e conforto, conforme as necessidades das espécies animais mantidas para experimentação ou docência.

Artigo XI- Oferecer assistência de profissional qualificado para orientar e desenvolver atividades de transportes, acomodação, alimentação e atendimento de animais destinados a fins biomédicos.
Artigo XII- Desenvolver trabalhos de capacitação específica de pesquisadores e funcionários envolvidos nos procedimentos com animais de experimentação, salientando aspectos de trato e uso humanitário com animais de laboratório.

Alternativas ao uso de animais em atividades científicas

Uma tendência que vem cada vez mais tornando-se realidade em nosso meio é o uso de alternativas que não envolvam o uso de animais para a realização de experimentos e atividades didáticas. Dentre as alternativas possíveis estão o uso de modelos matemáticos, simulações por computador, cultura de células ou tecidos, modelos sintéticos, uso de animais que morreram por causas naturais, vídeos e CD’s. Diversas associações e organizações não-governamentais vêm dedicando-se a estudar e disponibilizar estas alternativas, como, por exemplo, o Fund for the Replacement of Animals in Medical Experiments in UK (FRAME) (20) e a International Network for Humane Education (InterNICHE)(21), ambas com sede na Inglaterra, sendo que a InterNICHE também desenvolve atividades no Brasil, através da InterNICHE Brasil.

http://www.portalmedico.org.br/revista/bio10v1/Artigo2.pdf
http://www.ufrgs.br/bioetica/animprin.htm
http://www.parana-online.com.br/editoria/mundo/news/200619/

Nenhum comentário: